Contramensagem de Natal

Como entrar no “espírito natalino” sem reduzir o Senhor da história e Criador do universo em mero avalista da vida pessoal e familiar?

O povo que andava em trevas viu grande luz, e aos que viviam na região da sombra da morte resplandeceu-lhes a luz. (Isaías 9.2)

Dificuldades para entrar no “clima” do “espírito natalino”? Eu tenho!

– Não tanto pelo papainoelismo, que acaba alegrando mais o lojista que a criança.

– Nem pela enxurrada de votos óbvios de paz, harmonia e felicidade, necessárias o ano todo.

– Nem tanto pela retrospectiva de não-realizações e sofrimentos na vida pessoal, social e política (blindagens de corruptos e corruptores à parte).

– Nem pela incessante devastação do planeta à mercê do imediatismo econômico sem escrúpulos.

– E tampouco pela correria anterior à passagem de ano, como se mudança de data tivesse poder de redenção mágica e como se na vida não houvesse outras passagens tão ou mais importantes.

Porém muito mais em função do reducionismo de tornar Deus, Senhor da história e Criador do universo, em mero avalista da vida pessoal e, quando muito, familiar. Embora o Advento vise quebrar o olhar umbilical e levar à percepção do agir sociopolítico de Deus na história, no Natal pouco resplandecem a “luz para um povo em trevas” (Isaías) e a “derrubada dos poderosos” (Maria). Ora, divindades domésticas para assegurar saúde, fertilidade, relacionamentos e bons negócios, os pagãos também já as tinham. Encarnação é muito mais, qualitativamente mais. Ou outra coisa.

Além disso, não é necessário “entrar no clima natalino”, porque, ao nascer, foi Jesus quem entrou na nossa realidade, em nossas dificuldades e na nossa falta de sintonia com esse Deus. Achegou-se dos que esperavam e dos que não esperavam transformação. Mostrou que a presença de Deus acontece em um lugar específico e de um jeito especial.

É o lugar da falta de lugar, na margem, na estrebaria, na periferia, no estrangeiro. José e Maria, um casal sem recursos, sujeito à ordem do recenseamento para fins tributários do império. Pastores no campo, desprezados pelos chefes da religião por causa do “pecado” de trabalhar também aos sábados no cuidado dos rebanhos (Naquela noite gloriosa, foram capazes de deixá-los sozinhos ao rumarem a Belém). E “magos” do estrangeiro em busca de explicação para o inusitado surgimento de um cometa.

É o jeito do sofrimento, do conflito, da rendição ao desamor. Aquele que nasce é o que morrerá na cruz. Por falta de outra palavra, isso é chamado de “amor”. Mas é somente assim que surge vida plena, carregada de paz e de alegre transformação.

Um lugar e um jeito na contramão de tudo. Mas, colocando-os em primeiro lugar na vida, descobrimos que Deus, por não ser alguém que esmaga a cana quebrada, cuida também de nossas preocupações “secundárias” por saúde, bons relacionamentos, sustento. E que age apesar, e através, dos pesares. Contagia-nos. Mérito dele.

Acordei lembrando a pérola, figura pouco recorrente no Natal (apesar das bolas no pinheirinho). Ela se forma pelo sofrimento, quando um grão de areia fere a ostra por dentro. Fica muito tempo escondida. Mas. quando encontrada, é valorizada. Consideram[1]na uma joia viva, como os corais. Pérola de grande valor, metáfora do Reino (cf. Mt 13.45s).

Imagem ilustrativa: Arte do pintor espanhol Maximino Cerezo Barredo. Imagem no mural na Prelazia de São Félix do Araguaia, no Mato Grosso.

Nota: Texto de Werner Fuchs, integrante do GT Teológico do movimento Renovar Nosso Mundo, extraído do livro “Povo que Conhece o seu Deus – Bíblia e Cidadania no Caminho de Baixo”, editora Descoberta, 2018.

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