SABERES INDÍGENAS E A PALAVRA DE DEUS
Introdução
No dia 02/06/2022, foi lançado o livro “Teologia Indígena Cristã”, uma iniciativa da Tearfund Brasil, Editora Saber Criativo e Renovar Nosso Mundo Brasil. O evento, transmitido pelo YouTube, contou com os autores para debater sobre a transversalidade entre sabedoria indígena, ecologia e teologia. O livro físico está disponível para venda no site da Editora Saber Criativo e a versão digital pode ser baixada gratuitamente aqui.
panorama geral
Inicialmente, Izaías da tribo Pataxó e sua irmã tocaram algumas músicas para gerar conexão emocional e mostrar a cultura indígena cantada. Eles estavam vestindo adereços indígenas (pinturas, cocares e brincos) para mostrar como a tradição indígena se apresenta fisicamente. É a arte num sentido bem físico e visual.
Posteriormente, Sydney iniciou as falas citando umas frases de uma música da banda “Pau e corda”: “Se o que nos consome fosse apenas fome, cantaria o pão. Como o que sugere a fome, como o que sugere a fala para quem cala, como quem sugere a tinta para quem pinta, como quem sugere a cama para quem ama. Palavra quando acesa não queima em vão, deixo uma beleza forte posta em seu carvão.”. Ele compara a frase “palavra quando acesa não queima em vão, deixo uma beleza forte posta em seu carvão” com o trecho de Hebreus 4:12
Em Hebreus 4:12, lê-se “A palavra de Deus é viva e eficaz. E mais cortante do que qualquer espada de dois gumes e penetra até o ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, é apta a discernir pensamentos e propósitos do coração.” Foram seis meses de intensa produção literária, comparando as tradições indígenas com o contexto Bíblico.
Depois de uma rápida oração feita pelo pastor Izaias, vieram os dizeres dos promotores do evento
SIMONE VIEIRA (TEARFUND)
- Cita o aprendizado sobre a Bíblia trazida pela perspectiva indígena;
- Comenta sobre como as memórias indígenas são apagadas, o que invisibiliza histórias e jornadas das tribos e antepassados;
- Ler os textos do livro é a afirmação de uma identidade indígena e cristã;
- Agradeceu o apoio de todos os envolvidos na criação da obra.
- Agradece ao Grupo de Trabalho de trabalho Povos Originários que participam diretamente da criação da obra;
PASTOR RICHARD SERRANO (ASSESSOR TEOLÓGICO DA TEARFUND PARA AMÉRICA LATINA E CARIBE)
- A vida e a missão cristã se nutrem pela permanente e dinâmica fé em Deus revelado por Jesus Cristo;
- A Revelação da Palavra apresenta princípios sempre válidos para qualquer contexto, época ou cultura;
- A teologia é a interpretação da fé e as implicações da revelação da Palavra;
- O livro lançado almeja responder uma questão fundamental: “Pode uma teologia indígena ser cristã?”
RAQUEL (RENOVAR NOSSO MUNDO)
- Comenta que a Renovar nosso Mundo é um movimento que atua junto com as Igrejas brasileiras;
- Cita que foi um privilégio e uma honra participar da construção do livro;
- Agradece para a Editora Saber Criativo, a Tearfund e aos irmãos indígenas que aceitaram compartilhar a fé e registrá-la no livro;
REGINA FERNANDES (EDITORA SABER CRIATIVO)
- Considera que foi um desafio grande porque a obra é diferenciada: o livro é escrito pelos próprios índios e não por algum estudioso da cultura indígena.
- O apoio de Richard foi fundamental para entender as linguagem, a oralidade e narrativa para romper com o pensamento acadêmico ocidental e enfatizar mais uma obra alinhada com o jeito de fazer teologia dos indígena. Pois a forma de escrever sobre teologia de um indígena é mais focada na narração das experiências, poesia e histórias.
- Regina fala da própria família: muitos primos dela desconhecem que a tataravó foi uma mulher indígena e da origem portuguesa deles, pois o bisavô deles é português. A única memória que a maioria dos familiares de Regina tem é do avô deles. Com investigação sobre genealogia e ascendência, descobriram que as mulheres indígenas da família dela foram silenciadas e proibidas de contar sobre narrativas e tradições indígenas. Fora que a origem portuguesa também foi esquecida.
- A obra é uma homenagem à tataravó dela e demais mulheres indígenas do passado.
JOCABED SOLANO (AUTORA DO LIVRO E PERTENCENTE À ETNIA KUNA)
- Agradeceu aos apoiadores e parceiros dos projetos por poder compartilhar a experiência dela como indígena e teóloga;
- Escreveu a partir da percepção da mulher cristã indígena e das formas de comunicação típicas da experiência espiritual dela;
- Cita a conexão espiritual da etnia dela com o planeta e considera a Terra como uma mãe;
- A fertilidade da Mãe Terra alimenta a fé e os corpos dos indígenas;
- Escrever a obra foi uma forma de compartilhar e perpetuar memórias indígenas: um ato de resistência;
- É a desconstrução de teologia colonial;
- Acessar a ancestralidade indígena é uma experiência de proximidade com Deus;
- Abraçar a cristandade é consolidar uma identidade indígena;
SOFIA CHIPANA (AUTORA DO LIVRO)
- Agradece pela oportunidade de ter participado da produção da obra;
- Cita as palavras de sábios Andinos: uma criança nascida é o cosmo, tempo e manifestação de vida. Cada vez que a criança amadurece, precisa voltar para dentro de si e se reconectar com as origens.
- Essa eterna volta ao cosmo e à origem é uma conexão com as espiritualidades nutridas pela fé das comunidades andinas;
- Preservar a cultura é resistir à opressão do colonialismo;
ANDRÉ MUNIZ (AUTOR DO LIVRO)
- O texto dele no livro está bem alinhado com a jornada e caminhada de vida;
- A escrita é a preservação da memória conta o apagamento, a invisibilidade e o etnocídio;
- André descobriu que o falecido avô dele foi indígena;
- Com essa revelação, muitas histórias que André ouvia do avô dele começaram a fazer sentido;
- Assim, André começa a comentar sobre a própria família dele: um grupo familiar com ancestralidade indígena nascido no interior de Minas Gerais vinda para o Rio de Janeiro e precisa lidar com um novo território urbanizado e colonizado;
- Nesse novo território, choques culturais aconteceram: o Pajé foi substituído pelo médico.
- As percepções espirituais cederam lugar para o pensamento científico.
- André é estudioso das religiões: ele se percebe como uma ponte entre diversos povos, cultura e diferentes tipos de fé. Consegue perceber esse encontro entre esses elementos como um choque violento. Pois a colonização dos saberes indígenas resultou no apagamento das memórias ancestrais.
- A própria história de Moisés é uma ponte entre povos e é uma inspiração para a escrita de André.
- Afirmar a identidade indígena e reativar as memórias ancestrais é atender o chamado de Deus;
- Fala sobre a subalternidade, o não reconhecimento e a opressão contra a etnia dele, a Puri.
- O texto dele é uma mescla entre antropologia, pontes entre povos, culturas e conexões entre histórias;
- A etnia Puri tem diversas demandas: reconhecimento, demarcação de territórios e descolonização para relembrar linguagem, religião e tradições.
FRANCISCA PANKAIWKA (AUTORA DO LIVRO)
- Ficou alegre com a oportunidade de comentar e relatar sobre a história dela;
- Cita como ficou emocionada quando, na faculdade, descobriu a motivação da escravidão negra: é que a pele negra era considerada sinal de pecado e a escravidão redimia o povo negro.
- Tribos indígenas eram vistas como canibais, povos atrasados e sem almas pelo colonizadores europeus.
- Agora, os próprios indígenas estão expressando a fé e dialogando sobre o direito à salvação. É a história reexaminada, pois Jesus está com todos.
- Infelizmente, o modo como o evangelho foi apresentado pelos colonizadores afasta muitos indígenas do propósito salvacionista;
- Não é preciso ter sangue europeu para servir a Cristo!
- Francisca manifesta imensa gratidão pelo compartilhamento de saberes e experiências;
FLORÊNCIO ALMEIDA (AUTOR DO LIVRO, PERTENCENTE DA ORDEM FRANCISCANA E DO POVO MAITAPÚ)
- É um antropólogo que renovou o jeito de escrever quando colaborou na produção do livro: trocou o jeito acadêmico por uma escrita mais suave e que expressasse um testemunho prático;
- Em 1722, os jesuítas chegaram na comunidade Maitapú e iniciaram a evangelização.
- Florêncio é católico, o que agrega muito no pensamento ecumênico da obra.
- Apesar das proibições de algumas tradições e do apagamento da memória indígena pelos colonizadores jesuítas, o povo Maitapú ainda cultiva alguns aspectos da religião original deles que dialoga horizontalmente com o cristianismo.
- Cita a importância de se apegar aos valores essenciais do evangelho e deixar de lado o legalismo e o pensamento colonizador;
- O evangelho de Deus age como um reforço para a identidade indígena e ativa uma contra colonização.
ISMAEL GIL (AUTOR DO LIVRO)
- Reside em Serra Nevada, na Colômbia, com 4 povos indígenas.
- A língua diferencia os povos indígenas.
- Há semelhança entre costumes e práticas.
- Cresceu numa diversidade cultural e de crenças espirituais.
- Conhecedor do evangelho, cita a questão da dicotomia entre ser indígena e ser cristão, pois o modelo colonizador de evangelização oprimia os indígenas.
- O texto dele foi elaborado com o propósito de mostrar como a fé cristã pode ser sinônimo de libertação e não de dominação.
- Ser uma liderança cristã é estar aberto ao debate, entender os choques culturais e dialogar para convidar à conversão.
- Evangelho não é imposição: é um convite para experimentar uma fé no transcendente!
IZAIAS PATAXÓ (AUTOR DO LIVRO)
- Fala do ineditismo que é lançar um livro de teologia a partir do lugar de fala indígena;
- Inicia falando sobre espiritualidade e cultura pataxó;
- Comenta que fundou uma Igreja que alinha cristianismo e elementos culturais Pataxó;
- Assim, ele desmistifica muitos preconceitos e falsos entendimentos denunciando como a imposição de culturas pode apagar o diálogo entre povos.
- Cita como Jesus traz dignidade para pessoas e povo.
- Há uma dança do povo Pataxó que comunica a memória e identidade. É um ritual enriquecido pela fé cristã, pois enfoca a diversidade cultural.
- Na cultura Pataxó, há uma ecoteologia: uma percepção espiritual das coisas naturais e um posicionamento ambientalmente ético. Denuncia a exploração da casa comum.
JOSIAS VIEIRA (AUTOR DO LIVRO E PARTICIPANTES DO MOVIMENTO NÓS DA CRIAÇÃO)
- Posiciona a destruição de casa comum como um pecado.
- Reforça as falas de Izaias.
- Tem formação em teologia e estuda a ecoteologia.
- Afirma que os saberes coletivos expressos no livro são um convite a pensar a teologia indígena fora dos padrões coloniais e a opressão territorial.
- Ecoteologia é uma busca pela ancestralidade e o resgate da memória indígena.
- Nos tempos do Brasil colônia, havia uma lei que dava terra para homens que se casavam com indígenas. Isso significa casamentos arranjados e um incentivo para o domínio territorial por parte dos colonizadores.
- Uma parte da miscigenação brasileira aconteceu por estupros e casamentos arranjados.
- Teologia acontece não só na Academia, mas, também, no cotidiano, na lida com o território e práticas descoloniais.
PRISCILA RIBEIRO (AUTORA DO LIVRO)
- Fala do momento histórico onde a espiritualidade indígena se encontra com a fé cristã. De fato: é um acontecimento de enorme relevância para a diversidade cultural.
- Reconhece a importância do processo de decolonização. E, também, sabe valorizar os elementos positivos da cultura europeia.
- A espiritualidade de Cristo revoluciona de dentro para fora. É um nascer novamente, um renascer em Jesus e encontrar benção em tudo.
- Semear palavras poderosas: a tradição oral é revestida pelo papel, o que potencializa a cultura e o cristianismo.
encerramento
Encerrando a live, Sidney cita a dinâmica do texto de Priscila: um diálogo fecundo entre o livro de Hebreus e a
oralidade indígena e agradece a presença dos estudiosos da teologia latino-americana e os apoiadores do
projeto.
Simone reforça os agradecimentos e cita a luta por garantir os direitos indígenas (Advocacy) e Cláudia faz uma última oração agradecendo todos pela presença no evento e falando que Jesus abre espaço para uma vivência coletiva, consolidação de identidade e da valorização da casa comum.