Francisca Pankaiwka: Ouvir o chamado de Deus e edificar a casa comum

Conheça um pouco mais sobre a história de Francisca, membra de Renovar Nosso Mundo Brasil, através dessa entrevista! Como uma indígena analisa sua história de vida em comunidade, tradições, costumes e o cuidado com a natureza a partir do evangelho Cristão?

Introdução

Maria Francisca da Silva Araújo ou somente Francisca Pankaiwka é uma mulher indígena do povo Pankaiwka, educadora, líder em sua comunidade na cidade de Jatobá/PE e membro da Igreja Assembleia de Deus. Francisca é membra de RNM Brasil desde Janeiro/2021 e tem atuado no Grupo de Trabalho Povos Originários e Comunidades tradicionais.

O que nos chama atenção na Francisca é sua liderança na aldeia e envolvimento local na garantia e defesa de direitos. Sua atuação tem resultado em benefícios para aldeia a partir de aprovação de projetos, como o último sobre reflorestamento.

Raquel Arouca – mobilizadora de Renovar Nosso Mundo Brasil

Mais sobre a francisca

Sou Francisca, do povo Pankaiwká. Moro em Jatobá, num pequeno espaço da divisa entre Pernambuco e Alagoas. Vivo em uma comunidade na zona rural do município. Recife está localizado a cerca de 470 km de onde moro. 

Eu vivi até os 10 anos de idade no convívio com os costumes da aldeia. Morei bastante tempo com os meus avós. Sou evangélica da Igreja Assembléia de Deus. Me converti no ano de 1995. Eu sou uma indígena cuja família é descendente do povo da tradição. Sou sobrinha de pajés. Meu avô também era pajé. Eu sou da família que leva o ritual. Aí imagine a situação sendo evangélica. Mas graças a Deus temos um bom convívio porque Cristo vem fazer a diferença na nossa vida e ele fez uma grande obra na minha. O tempo que tive esse encontro com Cristo foi depois de vivenciar situações em que cogitei o suicídio. Portanto, o valor que eu dou a Cristo que fez uma obra na minha vida e me transformou é compreendido pelas pessoas que me conhecem. Convivo com pessoas de outras denominações e religiões porque a forma como Deus vai trabalhar na vida de cada pessoa é diferente. Quando ele me escolheu, ele sabia que eu era indígena. Ele me chamou sendo indígena e não pediu que eu deixasse de ser indígena para ser uma seguidora dele. Na minha casa fazemos os cultos diários, temos uma Bíblia de estudos. Estamos sempre aprendendo da Palavra do Senhor para que possamos servi-lo como ele quer. Porque hoje em dia muita gente quer servir a Deus, mas colocá-lo numa caixinha. Deus chamou os povos e nações sabendo que eles tinham línguas e costumes diferentes. Mas ele é Deus, e quer ser o centro da nossa vida. Não importa se você é negro, indígena, pobre ou rico, o que você precisa é saber que “Ele é o caminho, a verdade e a vida” e que “ninguém vai ao Pai a não ser por ele”. A gente espera um novo céu e uma nova terra em que todos os povos terão de conviver porque o Senhor irá chamar a todos e seremos uma grande nação, o Israel celestial, o povo santo de Deus. 

Sou graduada em licenciatura plena em História e fiz um curso de pós-graduação pela UFPE. Quando fiz esse curso de história e cultura dos povos indígenas, tive oportunidade de conviver com colegas judeus, de movimentos sociais, de comunidades de terreiro, comunidades LGBTQI+. E foi bem mesclado. Então naquela sala com pensamentos diferentes, todos percebemos que todos tínhamos preconceito. Muita gente ouviu que indígenas são canibais e não conhecem a tecnologia. Se fosse assim, já estaríamos extintos. Não tem como apagarmos a nossa história. Sou liderança do meu povo e sou educadora. Durante a pandemia fui convidada a me juntar ao Renovar Nosso Mundo por um membro do movimento porque havia o interesse de trabalhar com povos indígenas e comunidades tradicionais. Foi num momento em que a pandemia deixou sequelas não só das pessoas que perderam alguém, que adoeceram e tiveram sequelas físicas. Mas a pandemia deixou sequelas terríveis em todos os seres humanos que sentem a dor dos outros. Cada dia ligava alguém dizendo que perdeu um ente querido. Eu, graças a Deus, não perdi ninguém, mas senti a dor dos outros. 

Conhecer Renovar foi bom para ouvir histórias de pessoas que se preocupam com as outras. Foi muito bom começar a participar do movimento na pandemia. Há muitos evangélicos que não estão preocupados com o desmatamento, com a demarcação de terras indígenas, com o cuidado com a criação. Renovar Nosso Mundo tem esse olhar de pensar no bem comum, mas o bem comum envolve o meio ambiente, a água, os recursos naturais que Deus deixou para nós cuidarmos. Os indígenas fazem parte dessa natureza. E foi isso que me atraiu para o movimento: evangélicos na luta pelo bem-estar de todos.

Quiseram nos inserir na sociedade, mas nunca nos aceitaram. Somos indígenas, nascemos indígenas. E não é a globalização ou a religião que vão mudar isso. Reconheço Deus como único e Jesus como o caminho, a verdade e a vida. Mas sei que ele ama todos os povos de línguas e nações como ele diz na sua Palavra. Não existe só europeu, existem negros e indígenas e precisamos aprender a conviver com o diferente. Somos seres humanos e precisamos das mesmas coisas para sobreviver: ar, água, alimento. Infelizmente são poucos que conseguem enxergar isso antes de cometer um dano na vida de outra pessoa. Cada cultura tem uma forma de vivência e não estamos preparados para participar da cultura do outro. Temos muito o que aprender de Cristo em seus ensinamentos, tanto quando ele estava falando com mulheres e com cobradores de impostos, pessoas que eram ignoradas pela sociedade. Servir a Deus é ótimo porque ele quebra muitos paradigmas que a sociedade criou. Ele nos chama e trabalha de forma diferente em cada um e precisamos compreender isso para aceitar o outro. 

Eu nasci com características físicas diferentes dos meus irmãos e irmãs. Eu me achava “o patinho feio” mas descobri que sou o “cisne”. Eu queria saber o motivo de eu ter aquela aparência. Aí fazendo o curso de História muita coisa foi esclarecida. Pude ver nos livros históricos outros indígenas com a minha aparência. Vi que na chegada dos europeus vieram muitas caravelas. E nessas caravelas não vieram mulheres, somente homens. Quem foram as mulheres desses homens? É uma forma triste de conhecer a história porque não foi uma relação consensual. A maioria foi estupro mesmo. E depois essas pessoas nasceram com traços físicos diferentes. Elas eram indígenas ou europeias? Nenhum dos dois. Tiveram que viver como indígenas diferentes porque foi o seu povo que lhes acolheu. Depois as pessoas queriam que nós tivéssemos a mesma aparência. Eu não pareço com índios, mas eu sou. Eu sou indígena porque o meu povo é indígena. Aonde eu me criei, somos povos indígenas. Na faculdade foi difícil, eu tinha que provar que existia índio no nordeste. O primeiro contato dos europeus não foi com os povos da Amazônia, mas com os povos do litoral. Os povos da Amazonas tiveram tempo para se isolar. Nós, realmente, fomos quem sofreu todo o impacto primeiro. Dentro de nós somos, nos sentimos, indígenas. E temos uma família toda que nos reconhece. 

Hoje eu também atuo como representante da associação que a gente tem. A gente luta por uma qualidade de vida melhor dentro da nossa comunidade. A questão do agrotóxico a gente briga muito porque o espaço em que estamos era uma fazenda em que foi usado muito agrotóxico e nós já tivemos dois casos de envenenamento. Então eu procuro aprender muito sobre o cuidado com a terra pra que a gente possa continuar a nossa produção sem precisar do agrotóxico. A gente luta por essa produção orgânica, dentro da nossa comunidade. Ainda não conseguimos o nosso projeto de irrigação, mas lutamos todos os dias por isso. Porque temos um rio que eu consigo ver da minha casa, mas não dá para trazer água com os olhos. A gente sonha com uma bomba de irrigação com placas solares porque temos muito sol aqui. A nossa produção ainda é de subsistência porque teve muita fome aqui, mas hoje graças a Deus a gente tem e o que a gente tem a gente partilha. Então só dá pra gente e para as pessoas que não têm dentro da nossa comunidade. Produzimos mangas. Nosso sonho é produzir uma quantidade suficiente que atenda aos moradores da comunidade e que possamos vender o excedente para que possamos comprar as outras coisas que necessitamos. Precisamos de alguém que nos apoie, nos ajude, mas estamos dentro do Conselho de Desenvolvimento Sustentável, onde eu sou representante da Associação na defesa da Agricultura Familiar. Nossa comunidade é de agricultores e eu os represento também quando vamos discutir essa política pública dentro do município. A maioria dos moradores da comunidade vive da agricultura. Quando eu comecei a lecionar aqui, aproximadamente 95% da população era analfabeta. Hoje, graças a Deus, temos poucas pessoas analfabetas. Já pensou ter me suicidado aos 20 anos? Deus tinha um propósito para a minha vida!

perguntas

Quais são seus sonhos para o seu povo?

Meu sonho é entrar dentro da aldeia e ver tudo verdinho e plantado. Porque ainda temos casas de taipa, lotes sem áreas verdes e no período de seca não tem árvores próximas das casas. Sonho em não ver ninguém passando necessidade, a gente fazer aquilo que a gente sabe: produzir o nosso próprio alimento e com ele atender outras pessoas. Meu sonho é esse, quando eu entrar na aldeia e ver tudo verdinho e plantado e ver a minha comunidade desenvolvida como um todo, todos terem direito ao bem comum e a garantia do seu sustento.

Como podemos orar por você?

Pedindo que Deus nos abençoe, cuide do meu povo, que nós possamos ter acesso às políticas públicas para que a gente possa atender às nossas necessidades e a necessidade de quem está em nosso entorno.

Conlusão

A partir das palavras de Maria, entendemos melhor como Deus convida todos os povos para participar do projeto salvacionista e entrar no Reino dos Céus. A fé cristã é uma só, apesar das inúmeras formas de expressá-la.

Portanto, essas muitas maneiras de vivenciar a fé nos motiva a unir forças para cuidar da Casa comum e agirmos como cuidadores e cuidadoras do Planeta Terra, pois a cidadania planetária e a expressão de amor à Deus se tornam unidade.

– Resumo, introdução e conclusão por Felipe Gruetzmacher –
– Entrevista por Érika Neves, Tearfund –

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